Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido.
Este é um dos principais preceitos constitucionais de nosso país, que corporifica o espírito da democracia. Que o poder emana do povo é fato consumado enquanto vigente o processo democrático, pois nossos mandatários e representantes vêm sendo eleitos pelo voto universal, embora com toda sorte de manipulação possível. Se o poder é exercido em seu nome é o que se discute. Acresce uma pergunta: o povo, efetivamente, já chegou alguma vez ao poder? Pronta resposta: - Nunca. O que se segue é uma breve e superficial análise histórica, usando duas óticas paralelas, para justificar esta negativa.
Primeiramente, concentremo-nos numa rápida retrospectiva dos nossos primeiros mandatários e as forças políticas e econômicas que representavam, desde o descobrimento. Escusado estendermo-nos muito sobre o Brasil Colônia, as Capitanias Hereditárias, os Governos Gerais, a Regência e mesmo sobre a temporada em nossas terras do Rei de Portugal D. João VI. Até a independência, em 1822, o país era dominado pela monarquia e aristocracia portuguesa.
Com a independência foi instituído o império que durou até 1889. Portanto, dois imperadores da casa real portuguesa ou seus prepostos nos governaram durante este longo período. Até aqui o povo esteve fora do poder.
Na República, o poder passou a ser exercido pelos militares que a deflagraram ou por representantes da oligarquia nacional. Assim foi até 1930, quando uma revolução comandada por Getúlio Vargas, acabando com a República Velha e permanecendo no poder por 15 anos, governou o país de forma caudilhesca e ditatorial. Aqui, o povo começou a sentir a possibilidade de ascensão, contando com algumas conquistas, frutos de políticas populistas. Simplesmente recebeu algumas benesses, não tendo participado efetivamente da tomadas das decisões. Referimo-nos à consolidação das leis trabalhistas, embora calcada em modelo fascista. Mas o povo continuou fora.
A redemocratização se deu sob a liderança de um militar (Dutra) que venceu outro militar (Eduardo Gomes). O retorno de Vargas pelo voto popular, logo a seguir, trouxe às camadas populares um certo alento em seu governo, enquanto durou. O povo gozava sua possibilidade de mudança, embora fruto de políticas de cunho populista que sempre caracterizaram o velho caudilho gaúcho. A oposição achou um pretexto (não entremos aqui no mérito) para pressionar sua saída, que culminou de maneira trágica, com o suicídio do Presidente. O povo só teve acesso ao Palácio Presidencial para participar do velório.
Depois de algumas conturbações golpistas, patrocinadas pela elite oligárquica, deu-se a eleição do Juscelino Kubitschek, em cujo governo vivemos o esplendor democrático da vida nacional recente. O desenvolvimento econômico de então foi bom para a população, embora, nesse período, o ovo da serpente da inflação estivesse sendo chocado. A inflação, como se sabe, é o imposto mais socialmente perverso. A posterior eleição de outro populista de direita, Jânio Quadros, sua renúncia, a casuística instituição do parlamentarismo, a ascensão e queda do Jango Goulart são fatos recentes e sabidos. Jango acenou com um governo popular, sindicalista e inviável, como defesa do seu mandato. Foi presa fácil da oposição, aliada aos militares. O povo participava das manifestações, não necessariamente do governo.
Depois baixou a noite de 21 anos, com a violenta ditadura militar que, com a morte do Tancredo, desembocou no governo Sarney, lídimo representante das classes dominantes do país e do novo coronelismo político nordestino. A seguir, o governo corrupto do Collor, seu impedimento, Itamar e FHC. Este último período de oito anos que agora termina, ao lado de dar-nos a esperada estabilização econômica, cobrou caro esta conquista. O preço pago foi desemprego, estagnação econômica, aumento desmesurado da dívida pública, privatização desastrada de grande parte do patrimônio público e a abertura escandalizante para o exterior, com deterioração de nossa autonomia. FHC aproveitou a maioria política no Congresso para obter novo mandato, golpeando a Constituição e mudando as regras democráticas durante o jogo, pelo que pagou (e pagamos) muito caro.
Resumo dessa vertente: o povo nunca teve vez, nunca em seu nome o poder foi exercido, nunca participou efetivamente do poder, tendo somente recolhido ao longo do tempo alguns benefícios paliativos, nunca o essencial, o real poder, que é a possibilidade de conscientização e discernimento, através da educação e cultura; a disseminação das oportunidades via saúde, habitação, transporte, emprego e salários dignos, e, a participação direta na tomada das decisões estratégicas do País.
Antes de nos enveredar por outra ótica é importante frisar que alguns dos principais mandatários do país tiveram origem humilde, como de resto, a maior parte de nossa geração que floresceu durante o pós-guerra, privilegiada com sua educação em escolas e universidades públicas, alguns muito bem empregados e aposentados nas empresas estatais. Contudo, não houve um compromisso maior com nossas origens.
Agora sim, trilhemos o outro caminho. Exploremos os movimentos populares, todos, sem exceção, contidos pelas forças de repressão dos regimes dominantes. Aqui, por ignorância maior de nossa parte, mesmo porque a história oficial costuma não se estender muito a esse respeito, limitaremos a citar as revoluções populares estancadas ao longo do tempo sem entrarmos nos méritos dos movimentos. Todas se consistiram em reivindicações populares não atendidas e sufocadas pelo “status-quo”. A lista engloba: Cabanagem (Pará), Sabinada (Bahia), Balaiada (Maranhão), Farrapos (Rio Grande do Sul) e mais: a guerra do Contestado (Paraná e Santa Catarina), Quilombo dos Palmares (Alagoas), Canudos (Bahia), a revolta da Chibata (Rio de Janeiro), a Revolução Acreana e, para completar, a muito antiga Batalha do Cricaré e a Revolta de Queimados (essas duas no Espírito Santo). O povo sempre foi vencido em seus pleitos e indignações.
As reivindicações populares têm que ter alguma válvula de escape se não lhes são dadas as saídas legais (com representantes constituídos). Vide o mais recente Movimento dos Sem-Terra, fruto de uma situação fundiária secularmente injusta. É natural que recorram às revoltas como as descritas acima, todas, como já mencionado, vencidas pelas forças do poder constituído (sem seus representantes legais). Hoje a violência urbana é um retrato e uma decorrência das políticas implementadas ao longo do tempo, onde o povo não é devidamente contemplado.
A origem humilde dos dois candidatos que chegam ao segundo turno disputando a Presidência da República não capacita, em princípio, nenhum dos dois a ter um posicionamento adequado visando o povo no poder. Já demonstramos isso anteriormente.
Finalmente, mudando o tratamento deste artigo, da primeira pessoa do plural para a do singular, é assim que procuro me orientar desde a volta das eleições diretas para Presidente da República, tendo visto frustrados, até agora, todas as minhas intenções de votos.
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